Você guitarrista já parou pra pensar que todo o som gravado até hoje pelo instrumento símbolo do rock nada mais é do que o efeito que se consegue em uma tábua com fios de aço estirados sobre ela? Básicamente, uma guitarra é só um pedaço de pau com cordas, o mesmo princípio que rege o berimbau, só que mais sofisticado.
Na verdade, em sua maior parte, o som que está sendo emitido pela guitarra não é produzido pela qualidade do instrumento ou dos pedais de efeito. É uma assinatura do sentimento do artista ( ou da alma, como preferir ), que utiliza aquele pedaço de pau como canalizador material do seu vôo espiritual.
Divagações à parte, essa ferramenta, que dizem ter sido inventado na Bahia, é polêmica desde a sua criação até os dias atuais. Nos anos sessenta, os músicos conservadores brasileiros fizeram uma hoje absurda "passeata contra a guitarra elétrica", com gente como Caetano Veloso, Edu Lobo e Nara Leão percorrendo as ruas em protesto contra o instrumento que diziam ser "peça do imperialismo cultural ianque" e "objeto de alienação da juventude".
Mas por emitir, quando distorcida, sons chorosos, rasgados e marcados por intenso ruído, tem sido a guitarra o instrumento que melhor traduz as ansiedades e frustrações da alma do homem moderno. Diferente, por exemplo, do cravo ou do alaúde, instrumentos de som limpo que tem íntima ligação com a arte da Idade Média.
Falando em ruído, essa parte nos chama a atenção, já que guitarrista é um bicho sofredor, por ter que domar a zoada e a microfonia, conviver com notas que nem sempre são exatas, vez que são abaladas pelo sempre forte movimento dos dedos da mão esquerda durante os solos, razão pela qual as guitarras volta e meia estão desafinadas durante um show ( note nos vídeos de Jimi Hendrix quantas vezes ele regula a afinação no meio de suas apresentações ). Por isso tudo é que , ao longo de décadas, é comum o técnico de som culpar ( muitas vezes injustamente ) a guitarra por qualquer zumbido que apareça sem explicação.
Até para ser gravada, a guitarra exige atenção diferenciada, tendo que ser captado o som através de microfones corretamente posicionados na frente de amplificadores e não diretamente na mesa de som, como os demais. Se esse processo não for feito corretamente, a captura do som estará arruinada.
Em se falando de como tocar essa polêmica engenhoca musical, toda a técnica que hoje se aprecia nos solos de guitarra do rock foi construída tijolo por tijolo, desde Chuck Berry nos anos 50, até George Harrison nos 60, Jimi Page e Richie Blackmore nos 70, Edge, Andy Summers e Ed Van Halen nos 80 e por aí vai... ( claro, omitindo outras dezenas de nomes ). Cada um acrescentou um trecho de conhecimento que vem sendo absorvido de geração em geração. É igual o desenvolvimento tecnológico, evolui com o tempo.
Ainda que meio maldita, a guitarra continua sendo a peça chave na arquitetura melódica da canção influenciada pela tradição roqueira. Tão influente que se criou até a categoria da "air guitar", formada por pessoas que simulam estar em transe tocando uma guitarra invisível. Nos Estados Unidos ( país que reivindica a criação do instrumento ) tem até concurso para escolher quem "toca" melhor nesse estilo.
Em meio ao assalto dos DJs ao longo das últimas décadas e da perda de importância da música enquanto movimento em nível planetário, ainda se vê aquele garoto que compra o seu kit de guitarra para aprender e formar uma banda.
Para mim isso é vida. Acho que deve continuar sendo assim enquanto o mundo for mundo.
Celso Rommel
Celso Rommel
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