"Tudo que é importante costuma ser ignorado", Louis Pauwels

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Plantas medicinais e o patrimônio biológico desconhecido da humanidade

Vendo documentário sobre o curandeiro amazônico conhecido como Doutor Raiz, me chamou a atenção a afirmação de que noventa por cento do bioma da floresta amazônica ainda não foi devidamente catalogado e estudado.  Ou seja: os dez por cento que conhecemos já fazem hoje uma revolução slienciosa no mundo da medicina alternativa, auxiliando na cura das mais diversas doenças, das mais corriqueiras às mais graves - o que nos reservariam a outra imensa maioria?

Não é a toa a ocorrência frequente de bio pirataria no país, algo já registrado desde o tempo da borracha, quando o inglês Henry Wickham carregou no bolso sementes de seringueira que foram posteriormente cultivadas na Malásia, quebrando com isso o domínio que o Brasil tinha do tão precioso produto e evidenciando que os gringos já estão cientes do potencial verde das nossas matas. Haja vista a patente requerida por uma empresa japonesa do nosso famoso açaí, o que gerou uma batalha judicial enorme.

Há destaques em exotismo, como a aplicação da "vacina do sapo", à base de uma secreção produzida pela rã Kambô (Phyllomedusa bicolor) que os indígenas alegam ser um "remédio da alma", visando acabar a "panema", o estado de espírito negativo que causa doenças. É forte, provoca sensação intensa e de fato traz energia e vitalidade por semanas. A aplicação deste método tem se difundido nos centros urbanos, muitas vezes sem o acompanhamento de órgãos oficiais.
Evandro Cordeiro, o Dr. Raiz, tem utilizado plantas amazônica em garrafadas que fazem sucesso 
Outro destaque é camapu, plantinha paraense cujo potencial para a cura do alzheimer tem sido estudado pela medicina. Há indícios de que o uso medicinal da planta tem mostrado que pode criar novos neurônios, substituindo os outros já doentes, algo considerado impossível até há algum tempo.

Ou ainda, o pariri, a janaúba e o sangue de dragão que são consideradas apostas no combate aos variados tipos de câncer. Sem falar na combinação do cipó mariri com o arbusto chacrona, que formam o chá conhecido como ayahuasca, ou daime, que tem se revelado, em cerimônias rituais ao longo de décadas, como um agente eficiente no resgate da depressão e vício em drogas. Tudo baseado em estudos sérios, conduzidos por universidades internacionais também.

Ressaltamos que nenhum remédio de farmácia tem origem extraterrestre. Todos tem o princípio ativo extraído da natureza; alguns de maneira mais clara como o buscopan ( à base da planta Datura ) ou o ácido acetil salicílico ( à base do Salgueiro ), outors mais disfarçados, que recebem nome fantasia dando a impressão de que foram feitos em um ambiente esterilizado à base de mágicas instantâneas com nomes complicados. Mas não: todos são retirados do ambiente verde e há atualmente centenas de biólogos percorrendo as matas do planeta em uma busca desesperada por novos antibióticos, já que muitos passaram a não funcionar devido ao abuso da auto medicação o que levou ao surgimento de bactérias e germes mais resistentes, que ameaçam a saúde em todo o mundo.

Sendo assim, a floresta tem muitíssimo a nos dar, independente do pouquíssimo espaço dedicado à ela na mídia. Por que não tratar isso como uma prioridade ?


Celso Rommel

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Os fantasmas se divertem ou porque a música mundial não cria mais ídolos





Algumas cenas do passado recente do show business de, digamos, trinta, quarenta anos atrás, soam algo surreais nos tempos de hoje. Pessoas enlouquecendo por causa de seus ídolos, gente capaz de comprar um disco raro de vinil por quantias mirabolantes ( só para ter acesso a uma porção bem guardada do talento de seu artista favorito ) filas intermináveis nas imediações de um teatro para ver o show de um medalhão do rock no auge da carreira, músicos sendo recebidos por chefes de estado...

Essas coisas se foram. Há quem lamente, mas também há quem ache que foi bom acabar. Eu, sinceramente, lamento. Por um simples fato: a música do jeito que as pessoas se acostumaram a amar tem certas regras de ouro. Uma delas é a de que precisava continuar sendo glamourizada para que tivéssemos artistas incentivados a criarem obras primas. A partir do momento em que música virou arroz de festa, automáticamente a qualidade geral caiu.

Por outro lado, parece que o rock, considerado ritmo musical mais popular do planeta, não conseguiu fazer o seu costumeiro "salto revolucionário", que empreendia sempre a cada década, a cada sentença de morte à qual era submetido. Assim o fez nos 60 com o pop, nos 70 com o punk, nos 80 com o New Wave, e nos 90 com o grunge. Depois disso, a grande revolução foi uma espécie de implosão do estilo, com a música sendo livremente baixada na internet e não mais vendida nas prateleiras, morrendo não só o vinil como também o CD e o DVD para dar lugar ao... mp3? ou talvez algo ainda menor. 

A coisa tem chegado a tal forma que já não se vê tantas pessoas que tenham envolvimento profundo com música enquanto arte, tal qual se via até há alguns anos ( ou décadas ) atrás.  O resultado é, em sua maior parte, música para quem não gosta tanto de música, já que a música continua existindo através de artistas de isopor, ocos, sem conteúdo real. E isso não é culpa deles, já que estão fazendo o que todo artista faz: refletir na arte o que acontece no mundo. Se o mundo tem se tornado superficial, virtual, simulado, nada mais natural do que a música também reflita tudo isso.
E assim é que tem surgido, já há algum tempo, uma categoria de ouvintes, a maioria jovens, que preferem o revival de épocas anteriores, nas quais estes fãs nem eram nascidos. É a busca pelo real ( ao invés do virtual ) que motiva adolescentes a se especializarem na vida e obra de dinossauros, deixando de lado os lançamentos que poderiam manter funcionando o necessário sistema de renovação. 

Vale lembrar que atualmente o saudoso Bob Marley continua sendo responsável por mais de cinquenta por cento das vendas de discos e artigos de reggae. O mesmo acontece com nomes remanescentes dos anos 60 e 70 como Rolling Stones, Police e Paul McCartney, entre os principais, que enchem estádios quando nomes de "sucesso" da atualidade não conseguem faze-lo. Por que?

Fantasmas como Lennon, Elvis, Michael Jackson... continuam faturando aos tubos através de livros, filmes, publicidade nas mais diversas formas. Enquanto isso, os novatos...

Parece que, de alguma forma, as pessoas tem percebido que não há mais ninguém tão especial que mereça ser idolatrado, já que todos estão ao alcance de um clique. As cores em HD tornam tudo muito definido, não sobra espaço para imaginação. As portas da percepção de Huxley e Jim Morrison ou estão fechadas ou escancararam de vez. Desta forma, os gênios da música foram substituídos por figuras oriundas de reality shows da televisão,  a telinha ou telona também soando como um meio de comunicação algo cambaleante...

E o que virá depois? Talvez alguém na Inglaterra decrete de vez que não se fará mais música, simplesmente porque não há mais do que se falar, ou quem leve a sério, quem queira ouvir. Toda evolução leva a algum lugar não é?

Celso Rommel

O fenômeno traiçoeiro que pode ferrar com sua coleção de discos


CDs e DVDs eram vendidos como objetos indestrutíveis, mas a verdade, como mostra o fenômeno da oxidação de disco, é mais complicada.
Muitas vezes, ele parece uma mancha de café — uma descoloração perceptível que, por algum motivo, não pode ser removida. Em outras, ele se manifesta como pequenos pontinhos brancos na superfície de um disco. E há aquelas vezes em que tudo muda de cor. De qualquer forma, quando você se depara com o que é popularmente conhecido como "oxidação de disco", é hora de dizer adeus a um ótimo álbum ou a um filme interessante.

A eventual deterioração da mídia ótica é um problema e tanto, seja você um arquivista digital ou simplesmente alguém que quer assistir a um filme em uma mídia obsoleta como o Laserdisc.

Mergulhemos, então, de cabeça nesse mundo de manchas e deterioração.

Keep on Trucking: Uma viva homenagem ao cartunista Robert Crumb

Detesto homenagear pessoas só depois que elas morrem. Por isso farei essa homenagem a um dos caras mais geniais que já vi e está vivo: o cartunista estadunidense Robert Crumb. Segue uma biografia completa a respeito dessa fera. Curta:


Robert Crumb, um dos cinco filhos do militar de carreira Charles V. Crumb, nasce em 30 de agosto de 1943 na Philadelphia (EUA) em um ambiente católico e conservador; com um pai de modos violentos (lhe quebrou a clavícula quando tinha cinco anos) e uma mãe fervorosa torturada pela culpa, Robert e seus irmãos tiveram que aprender a fugirem rapidamente, e para ele nada tão a mão como aqueles quadrinhos de que tanto gostavam.

Ainda que certos biógrafos assegurem que Robert começou a rabiscar hábil e espontaneamente com apenas três anos de idade, sabemos que por imposição Charles – o maior – obrigava a seus irmãos varões a ilustrar uma vez e outras variações sobre a versão cinematográfica de A Ilha do Tesouro (que os havia fascinado), e foi graças a ele que Robert aprendeu a desenhar rápido e bem (“Para sair rápido disso”, diria depois em um das suas muitas revistas autobiográficas): “ Eu gosto de desenhar, isso é tudo, é um hábito que tenho profundamente enraizado, e é devido ao meu irmão Charles. Ele foi quem começou com tudo isto dos quadrinhos quando éramos crianças; estava obcecado por eles, não lhe interessava que faziam os meninos normais, nem jogos, nem os esportes. Não fazia mais que ler quadrinhos, desenhá-los, pensar e falar deles. Eu gostava de desenhar, mas porém me interessavam muitas outras coisas além dos quadrinhos. Eu gostava de desenhar cenas realistas com edifícios, carros, coisas assim; a ele não interessava nada disto, unicamente os quadrinhos. Nos reuníamos e conversávamos sobre quadrinhos. De fato, a companhia dos quadrinhos “o clube de quadrinhos Crumb” éramos os cinco irmãos: Charles, Robert, Carol, Sandy e Maxon.”


Por meio de Charles e sua coleção, Robert conseguiria despontar preparado no mundo da ilustração satírica, donde mais tarde seria uma figura capital; em 1958 descobriu a revista Mad, ficando fascinado por gente como Harvey Kurtzman, Basil Wolverton e Bill Elder, que inspiraram claramente a Robert e Charles a criar sua primeira fanzine, Foo Crumb Brothers Almanac: Sátiras e Paródias (em referência às antigas revistas de Smokey Stover), onde um Crumb de quinz anos começaria a desevolver um de seus personagens mais famosos, Fritz, The Cat. Infelizmente, o projeto Foo – editado originalmente em setembro de 1958 – não teve o êxito esperado (realmente circularam poucas cópias), e os irmãos desgostosos queimaram a maior parte dos exemplares existentes. Por dedicarem toda atenção a esta sua afeição, os Crumb se transformaram rapidamente em uns “bichos do mato” cuja vida social se reduzia unicamente a ensinar seu trabalho a seus companheiros de estudos e a vendê-lo pela vizinhança (ou ao menos tentar fazê-lo).

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Corporação ou pessoa; o boicote vence todos e volta e meia se faz necessário



Acredito que as vias de comunicação do sistema operacional da Matrix não divulgam abertamente o significado e o modus operandi do boicote por saberem exatamente que, uma vez fazendo isso, estariam fornecendo ao rebanho condições plenas de liberdade.  Pois nós que estamos no submundo virtual, onde entram em contato os navegantes digitais das madrugadas, podemos discutir a respeito disso com maior espaço aqui nesta página.

Primeiro um pouco de perspectiva histórica. A palavra boicote deriva do inglês boycott, que por sua vez deriva do nome do capitão irlandês Charles Boycott. No século XIX, o capitão era administrador de propriedades na Irlanda e costumava fazer exigências descabidas às pessoas com quem negociava. Estas pessoas se uniram com o propósito de não mais se relacionar com ele. A rejeição passou a ser identificada com o sentido de represália ou mesmo de sabotagem. 

Um antecedente foi que, no ano de 1774, 12 das colónias britânicas na América acordaram, antes da revolução, o boicote com os produtos ingleses.

Ao longo dos séculos, a prática tem sido utilizada sempre pelo mais fraco para puxar o tapete dos soberanos, das grandes corporações, geralmente quando se nota abuso no poder, discriminação ou tratamento desumano. Em alguns casos, como em algumas edições dos Jogos Olímpicos, os boicotes de alguns países em se recusarem a participar das competições, se deu por questões políticas mas nunca foram bem sucedidos, uma vez que reuniram apenas minorias na tabela de participantes, o que nunca impediu a realização das competições e este exemplo mostra que o verdadeiro boicote só gera resultados com a participação de grande parcela da população, senão a maioria.
Cena do programa de TV Big Brother Brasil, um dos campeões em pedidos de boicote nas redes sociais
Por exemplo; a força dos boicotes foi determinante na luta pelos direitos civis da população afro descendente nos Estados Unidos, ao longo dos anos sessenta, sob a liderança do reverendo Martin Luther King. Foi graças aos boicotes que os E.U.A branco foram obrigados a reconhecer o papel dos negros na formação da nação, o que levou até a eleição de Barack Obama cinquenta anos depois.

Foi também arma de desmantelamento da atividade colonial britânica na India, utilizada por Mahatma Mohandas K. Gandhi, que conseguiu arquitetar a chamada "resistência pacífica" da população, passando a recusar em larga escala a compra dos produtos importados e com isso quebrando a razão de ser da ocupação naquele país milenar.

Quando uma parcela majoritária da população se recusa a consumir o que lhe é entregue pelos soberanos e seus aparelhos de dominação, automáticamente o poder dos reis perde sua força. Pelo simples fato de que a força dos dominadores advém de seus dominados. São estes que lhes fornecem toda sorte de pensamentos, apoio moral, participação e, em última análise, dinheiro.

Os dominados ( anestesiados por pseudo conquistas e falso conforto ) entregam de bom grado seu sangue para alimentar a máquina sugadora da Matrix, perpetuando o parasitismo por gerações. Até que, um belo dia, alguém propõe um boicote. A partir daí não há Golias que se mantenha de pé, se a campanha for bem articulada.

Pode-se, por exemplo, combinar-se virtualmente o boicote total durante determinados dias ou horários estratégicos, nos dias de maior faturamento, como forma de quebrar a espinha dorsal do sistema.

Por isso é que considero muito mais importante do que reclamar em redes sociais a respeito de políticos corruptos, má programação de televisão, produtos que fazem mal à saúde ou empresas que prejudicam o meio ambiente. Bem mais produtivo seria simplesmente boicotar até levar cada um destes à falência. Isso faria o mundo melhorar pela simples eliminação automática dos maus participantes do processo


Celso Rommel

Por que não há mais trens no Brasil?

Nas últimas décadas, o descaso fez sumir transporte ferroviário no país.

Na década de 50, a malha ferroviária brasileira tinha 30 mil km de extensão. Hoje, a mesma malha ferroviária continua com seus 30 mil km. Na época, os cinquenta anos em cinco de Juscelino Kubitschek deu um dos pontapés iniciais para a predominância dos automóveis no transporte de passageiros e cargas no país. Um dos efeitos secundários dessa política foi o descaso com os trens. Relegados a segundo plano, com velhas e caras locomotivas e falta de investimento em manutenção e expansão, os trens de passageiros praticamente desapareceram nos trajetos entre cidades e estados.

Uma pena. Isso porque o sistema ferroviário é o modelo capaz de transportar o maior número de pessoas de uma única vez, está livre de interferências do clima e trânsito e, se for elétrico, não polui.

Melhorar esse panorama, no entanto, depende de uma série de fatores, mas o ponto de partida poderia ser resumido em "uma política de investimento verdadeira por parte do governo", afirma Yesid Asaff Mendonza, coordenador do curso de Engenharia Ferroviária e Metroviária do campus de Joinville da UFSC — um dos únicos cursos de graduação na área do Brasil. A escassez de formação especializada, aliás, é outro problema. "Faltam engenheiros para dar suporte a uma possível expansão da rede ferroviária brasileira", diz Yesid.

A religião, a ciência e a Iboga: Relatos de curas de vícios e de doenças auto imunes

A religião Bwiti está amplamente espalhada no Gabão, tanto no interior da selva, onde foi originada, quando na capital Libreville. Durante os últimos vinte anos atravessou fronteiras e chegou a outros países africanos, Camarões, Congo, Zaire e Guiné Equatorial, com milhões de seguidores, inclusive entre pessoas do governo.

Trata-se de uma religião complexa com uma rica mitologia que inclui uma mistura secular de valores afro tribais e figuras da Bíblia católica, além de uma articulada teologia que une coerentemente conceitos do animismo e características do Deus cristão, a partir do uso da Iboga, por eles chamada de "árvore do conhecimento", a mesma que teria dado o fruto de que comeram Adão e Eva, conforme a antiga tradição.

A iboga é uma raiz subterrânea que chega a atingir 1,50m de altura, pertencente ao gênero Tabernanthe, composto por várias espécies. 650 destas já foram identificadas na África Central. A que tem mais interessado a medicina ocidental é a Tabernanthe iboga, encontrada sobretudo na região dos Camarões, Gabão, República Central Africana, Congo, República Democrática do Congo, Angola e Guinea Equatorial. O arbusto cresce em áreas de floresta tropical, solos pantanosos ou savanas molhadas. Ela floresce e produz frutos durante todo o ano. 

O seu principal alcalóide – leia-se: princípio ativo – é a ibogaína, extraída da casca da raiz e que representa 90% dos 30 alcalóides encontrados nas raízes desta espécie. A iboga pertence a família dos alucinógenos clássicos, entre eles o peyote, os cogumelos, a ayahuasca e o LSD.

Acredita-se que os pigmeus tenham descoberto a iboga em tempos imemoriais. Até hoje estas populações a utilizam em ritos nos quais dificilmente admitem a participação de brancos. Segundo os escritos de um especialista nesta planta, o italiano Giorgio Samorini, algumas espécies de animais, entre as quais os mandris e javalis, alimentam-se das raízes da iboga para conseguir efeitos entorpecentes. É provável que os pigmeus tenham descoberto as propriedades alucinógenas da iboga observado o comportamento curioso destes animais.


Em 1901 a ibogaína foi isolada pela primeira vez. Há notícias de que ela teria sido usada no ocidente desde do início do século no tratamento de gripe, doenças infecciosas, neurastemia e doenças relacionadas ao sono.

Em 1962, Howard Lotsof, um jovem viciado em heroína em busca de uma nova droga, acaba descobrindo a iboga. Após uma viagem de 36 horas, relata que perdeu totalmente o desejo de consumir heroína e não sentiu nenhum sintoma de abstinência. Administrou a substância a sete amigos também viciados, e em cinco casos o resultado foi o mesmo.

Em 1983 Lostsof reportou as propriedades anti-aditivas da ibogaína e em 1985 obteve quatro patentes nos EUA para o tratamento de dependências de ópio, cocaína, afetamina, etanol e nicotina. Fundou o International Coalition for Addicts Self Help e desenvolveu o método Endabuse, uma famacoterapia experimental que faz uso da ibogaíne HCl, a forma solúvel da ibogaína. Através da administração de uma única dose, cujo efeito dura dois dias, haveria uma atenuação severa ou completa dos sintomas de abstinência, permitindo que o dependente se desintoxique sem dor. Em segundo lugar, uma retirada ou perda do desejo de consumir drogas por um período mais ou menos longo de tempo.

Atualmente a iboga é utilizada por curandeiros tradicionais dos países da bacia do Congo e na religião do Buiti na Guinea Equatorial, Camarões e sobretudo no Gabão, onde membros importantes das hierarquias políticas e militares do país são adeptos. Aproveita-se principalmente a casca da raiz mas também atribui-se propriedades medicinais às folhas, a casca do tronco e a raiz. No Gabão, a raiz e a casa da raiz são encontradas facilmente nas farmácias tradicionais e nos mercados das principais cidades. Existe aí uma ONG dedicada inteiramente a iboga. Se mantida a tendência atual, a coleta da espécie selvagem está colocando-a em risco de extinção. A iboga pode ser utilizada sozinha ou em combinação com outras plantas. Ela é empregada no tratamentos da depressão, picada de cobra, impotência masculina, esterilidade feminina, AIDS e também como estimulante e afrodisíaco. Na crença dos curandeiros locais, é eficaz também sobre as “doenças místicas”, como é o caso da possessão.

Tonye Mahop, pesquisador do Jardim Botânico de Limbe, conta que “existem vários registros de cura da dependência de cigarro, de mganga (marijuana africana) e de fofo (um álcool local concentrado, feito de vinha de palmeira) com a iboga nos cultos do Buiti. O problema é que os informantes não contam bem como preparam e usam a planta, tem uma parte do conhecimento que fica sempre em segredo”.

Existem dois tipos de Bwiti: o tradicional (que rejeita o cristianismo) e o sincrético, o mais difundido. O primeiro é praticado pelos Mitsogho e o segundo pelos Fang, ambos grupos Bantu. É provável que durante o século XIX os pigmeus tenham transmitido seus conhecimentos aos Apindji, que os teriam passado por sua vez ao Mitsogho, ambas populações do sul do Gabão. Estes grupos elaboraram durante o século XIX um culto dos mortos, o Buiti tradicional. O Buiti sincrético ou Fang foi elaborado na época da primeira guerra mundial. Ele é produto de influências do Buiti tradicional; do culto ancestral tradicional dos Fang, o Bieri (que utilizava uma outra planta alucinógena), e da evangelização cristã, sobretudo católica. Atualmente há nove ramas do Bouiti. Existe um outro culto que utiliza a ioga, o Abri, até hoje pouquíssimo estudado. Este é comandado por mulheres e se dedica ao tratamento de doenças com ioga e outras plantas medicinais.

Abada Mangue Clavina é presidente da Associação Bombo Ima et Bandeei (ASSOKOBINAC) dos Camarões e líder de uma igreja Bouiti Dissumba Mono Bata em Yaounde, cuja base é o núcleo familiar composto por suas duas mulheres e 10 filhos. Há prières todos os sábados. De acordo com ele, existe um tratamento específico para a tóxico-dependência com o uso da iboga, que dura dois ou três dias, dependendo do paciente e da gravidade do problema. São ministradas duas, três ou quatro colheres de café (4 a 8 g) de um pó da casca da raiz (essa é raspada e picada). A “iboga purifica o sangue. Temos obtido sucesso em 100% dos casos”. Os casos mais difíceis podem exigir a realização de iniciação, que tem como custo 200.000 mil francos centro africanos (CFA) em oposição aos 50 mil empregados no tratamento ordinário.[3]

A iniciação dura três dias. Na abertura, o candidato confessa todos os seus pecados e toma um banho ritual. Este momento clímax da vida do bouitisita é marcado pela ingestão em jejum de uma enorme quantidade de eboka (pode chegar a 500g) e de ossoup, uma espécie de chá frio feito com a raiz da planta. O grupo acompanha o neófito durante a prière, onde todos cantam, tocam e dançam noite a dentro.

A iniciação tem como objetivo produzir um coma induzido – os estudiosos ainda não conseguiram definir com precisão o tempo de duração deste. De acordo com os praticantes, em algum momento o espírito sai do corpo e viaja para o plano da criação, para o “lado de lá”, isto é, visita o mundo dos mortos. Pode receber revelações, curas ou se comunicar com os seus ancestrais. A citar, a “harpa sagrada”, orienta a viagem e traz o espírito de volta para o corpo. Terminada a cerimônia, o sujeito, renascido com uma nova identidade – Bandzi, ‘aquele que comeu’ – deve relatar detalhadamente as suas visões e experiências. A diferença do ritual Buiti com outros rituais de passagem tradicionalmente estudados pelos antropólogos, é que neste caso, a morte é quase real (e não metafórica ou simbólica), pois explora-se o limite concreto entre vida e morte.

A curandeira Nanga Nga Owono Justine, iniciada há 25 anos na rama Dissumba do Buiti, explica: “A Eboka é uma ciência que corrige. Ela é como uma porta que se abre somente quando uma pessoa morre. Os negros tiveram a fortuna através da Eboka de visitar o lugar para onde iremos quando morreremos, só que antes de morrer – é uma ocasião de se transformar.” Sua mãe, a anciã Bilbang Nga Owono Christine, acrescenta: “para se curar você tem que estar convencido, é você mesmo que se cura. Precisa da intenção, da eboka e da fé em Deus, que é o maestro de tudo”. Lembrando a sua própria iniciação, época em que tinha uma “doença nos olhos”, contou que “uma estrela me guiou até um hospital no lado de lá, onde eu fui operada dos olhos. Vi o meu espírito saindo do meu corpo e os médicos me operando. Voltei curada”.

Podem ocorrer morte nos rituais de iniciação do Bouiti. Segundo Calvin, isto pode acontecer devido a diversos fatores. Um deles é a incompetência ou falta de capacidade do guerriseur. Outro é que a eboka não pode ser administrada para um doente que esteja demasiado debilitado fisicamente. Finalmente, “se doente que faz a iniciação é um bruxo, durante viagem astral o seu espírito quer para ir para a zona da obscuridade. Ele pode se perder e no caminho e não conseguir voltar, causando a morte do corpo físico”. Os Fang conhecem um antídoto, uma folha que anula o efeito da eboka, a qual chamam Ebebing.
O princípio ativo Ibogaína tem sido usado para tratamento alternativo de dependência de drogas
A Versão científica

A literatura científica sobre o tema é controversa. Sabe-se que a ibogaína produz ataxia (perda do equilíbrio corpóreo), tremores, aumento da temperatura corpórea, da pressão e da freqüência cardíaca. Estudos em ratos e primatas demonstraram que a ibogaína em quantidade de 100 mg/kg é neurotóxica (a dose utilizada no tratamento de Lotsof é normalmente de 25 mg/kg). Ela é diferente de outros medicamentos na medida em que é a única substância conhecida que age diretamente sobre o mecanismo da dependência no corpo humano. Entretanto, não se sabe ao certo exatamente o seu grau de eficácia: há casos de recuperação e de fracasso do tratamento. Não existe nenhum estudo científico que comprove que a ibogaína cura dependência, apenas evidências anedóticas – que não são poucas. 

Para entender o problema simplificadamente: uma substância é considerada segura para uso humano quando se aplicada em doses superiores a 10 vezes em um animal não apresente grau de toxicidade. No caso da iboga, foram constatados efeitos neurotóxicos em doses até 4 vezes superiores, ou seja, não existe uma margem de segurança suficiente. De fato, assim como há relatos de morte nos cultos de iniciação Buiti com iboga, houve três mortes no tratamento não controlado de toxico dependentes com ibogaína na Holanda, França e Suíça. Mas não faltam entusiastas das suas virtudes e num rápido passeio pela internet é possível encontrar diversos relatos de cura de dependência com a ibogaína.

Os tratamentos com ibogaína não são autorizados nos Estados Unidos, Reino Unido, França ou Suíça. Mesmo assim tem sido usados clandestinamente em quartos de hotéis e apartamentos. No Panamá, a instituição liderada por Lotsof cobra 15.000 dólares o tratamento; na Itália, o custo é de US 2.500, e nos Estados Unidos varia entre 500 e 2.500 dólares. Em Israel a iboga está sendo pesquisada para uso no tratamento da “síndrome do pós-guerra” que afeta soldados.

A profecia Buiti

Existe uma profecia Bouiti, surgida nos anos 40 – período em que missionários católicos colonialistas franceses investiram severamente contra o culto – de que este se expandirá, unindo todos os povos negros do mundo. Por isso, os bouitistas estão abertos para a iniciação de brancos. Nos últimos anos, diversos estrangeiros, sobretudo franceses, têm se submetido a experiência. A curandeira Justine comentou, entretanto, que “já constatamos que os europeus não tem o mesmo organismo que nós. Então fazemos um tratamento mais leve, não se pode dar a mesma quantidade de eboka que damos para um africano. Quando sabemos que a pessoa já ‘viajou’, paramos.”

Bia Labate / Xamanismo ( adaptado Nicuri é Côco )