Alguns de nós observam com indisfarçável inveja a tendência dos nossos vizinhos argentinos pela leitura e erudição, onde bibliotecas em Buenos Aires são pontos de encontro entre amigos, ficando abertas até tarde da noite. Para efeitos de comparação, sabe-se que os hermanos lêem em média 5 livros por ano, enquanto que o leitor brasileiro mal consegue absorver um livro em doze meses. Aliás, sobre este índice pesam dúvidas, pois me pego pensando se é mesmo verdade que estamos lendo um livro por ano, já que a pesquisa Retratos da Leitura de maio deste ano indica que 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro.
Por qual sina o brasileiro não consegue pegar gosto pela leitura? É coisa para ser investigada. Aqui nasceram grandes nomes literários como Guimarães Rosa, Jorge Amado e Augusto dos Anjos, só para citar três que me vieram à memória agora. Ou seja: temos gurus, só não se vende é livro por aqui porque não tem quem leia, apesar do ainda recente fenômeno internacional Paulo Coelho, reconhecido além-mar mas pouco lido em sua própria casa.
Mas não é pra menos. O padrão de conhecimentos gerais da nação do futebol e das novelas é baixíssimo. Para não dizer que estamos hoje na vanguarda do semi analfabetismo, no Brasil o fenômeno das redes sociais tem forçado pessoas a lerem pelo menos frases de auto ajuda e filosofia de almanaque prontas, o que tem contribuído de alguma forma para gerar um tímido senso crítico a respeito da realidade que nos cerca. De resto, a comparação do nosso padrão de análise dos acontecimentos em relação a povos que amamos admirar, tendo por base o nível de leitura, é abissal.
Enquanto acreditávamos ser o biscoito fino da América Latina, a taxa de qualidade do ensino público por aqui se estabeleceu como uma das piores do mundo, forçando a classe média a pagar ensino particular para não condenar os filhos à negatividade das escolas estaduais e municipais.
Em uma escola que não ensina, formou-se ao longo de décadas uma geração de adultos que escrevem e leem muito mal. Se não conseguem ler fluentemente o básico, como poderiam compreender textos repletos de símbolos como os que são comuns na literatura? Ler se tornou para a grande maioria uma tarefa chata, quase incompreensível e desmotivante, coisa de "gente esquisita e esnobe".
Uma hipótese consoladora é que talvez, pela herança ancestral, o povo brasileiro seja, tendo por base sua matriz africana, mais voltado para a tradição oral do que escrita, típica da civilização européia... desta forma, talvez sejamos o povo da inteligência emocional e física, que teria este tipo de contribuição a dar ao mundo... quem sabe?
Mas, até que desvendemos esse mistério, quem reclama da má qualidade da TV e da música no Brasil de hoje deve estar atento à dramática realidade cultural da maioria, pois uma coisa está diretamente ligada à outra, já que o entretenimento existe em primeiro lugar para agradar ao público pagante, atendendo-o no limite da sua compreensão e necessidade.
Celso Rommel
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